a incompreensibilidade de Deus é algo real em nossas vidas. por mais que achemos que O conhecemos, a dura realidade é que não, não O conhecemos tão bem quanto imaginamos.
e se temos o prazer de dizer que O conhecemos, ao menos um pouco, com certeza, isso é graça, nada mais.
João Calvino, grande teólogo protestante, disse, certa vez, que Deus nos fala numa espécie de balbucio. “o que é o balbucio?”, talvez você esteja se perguntando. segundo o dicionário, é “dizer ou falar de forma imperfeita, hesitante ou pouco perceptível, como as crianças pequenas”.
ou seja, tal qual os pais, que usam uma “linguagem infantil” para se comunicar com seus filhinhos bebês, assim Deus, em sua grandiosidade extraordinária, para se comunicar conosco, meros mortais, tem de condescender e falar em balbucios, para que o compreendamos.
“Nas Escrituras, Deus balbucia a nós, fala-nos como uma ama fala a um bebê”, João Calvino.
assim é a revelação de Deus, uma condescendência do Deus trino em se comunicar com as criaturas caídas – vulgo, nós mesmos.
Deus é infinito, nós somos pó.
nenhum ser humano tem a capacidade de entender a Deus exaustivamente. há uma tremenda barreira que nos impede de compreender o Criador, pois somos criaturas finitas. Deus, no entanto, é um Ser infinito. como o finito entende o infinito?
a realidade é que não existe como. um objeto infinito jamais poderia ser espremido em um espaço finito. teólogos medievais tinham um axioma dominante para todo o subsequente estudo da teologia, que dizia o seguinte:
O finito não pode aprender (ou conter) o infinito.
tal axioma comunica uma doutrina muito necessária do cristianismo ortodoxo: a incompreensibilidade de Deus.
a incompreensibilidade de Deus
é importante frisar que, quando falamos da incompreensibilidade de Deus, podemos facilmente compreender erroneamente o termo, visto que há margem para a errônea sugestão de que não podemos saber nada sobre Deus. afinal, se Deus está além da compreensão humana, não sabemos ou podemos saber absolutamente nada sobre Ele. e isso pressupõe que a nossa conversão religiosa não passa de um balbuciar teológico e que, na melhor das hipóteses, o que nos resta é um Deus desconhecido. certo?
ERRADO!
a incompreensibilidade de Deus nos mostra que nosso conhecimento sobre o Criador é parcial e limitado, e não pleno. mas o fato de não ser pleno não quer dizer que não O conhecemos ou podemos O conhecer em nada.
tal doutrina nos diz que, sim, o finito pode “aprender” o infinito, mas o finito nunca pode reter o infinito dentro de sua apreensão. ou seja, há sempre mais de Deus para se aprender.
para explicar melhor, lhe trarei a história do espelho…
espelho, espelho meu…
para exemplificar melhor nossa incompreensibilidade, gostaria de trazer uma passagem bíblica, que se encontra em 1 Coríntios 13:12 – e logo em seguida uma interpretação desta passagem feita por Agostinho em suas confissões – e que foi comentado por Jonas Madureira em seu livro Inteligência Humilhada.
Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.
1 Coríntios 13:12
agora, segue um trecho do livro de Jonas Madureira, em que ele comenta a interpretação de Agostinho e escrita de Paulo:
Para refletir sobre essa passagem, Agostinho primeiramente ressalta a divisão temporal que se estabelece na argumentação do apóstolo Paulo. Há um tempo presente, expresso pelo advérbio ‘agora’ e pelos verbos ‘vemos’ e ‘conheço’, e um tempo futuro, expresso também por um advérbio, ‘depois’, e pelos verbos ‘veremos’ e ‘conhecerei’. Ao observar a primeira ação que se dá no tempo presente, Agostinho nos lembra de que eu e você ‘vemos como por um espelho’. O que está implícito na menção ao ato de ‘ver como por um espelho’? A obscuridade. Sim, isso mesmo. Se levarmos em consideração os nossos espelhos de hoje, é bem provável que não consigamos entender o que Agostinho está dizendo — e muito menos o que Paulo disse. Afinal, nem Paulo nem Agostinho enxergaram sua imagem em um espelho tal como os modelos disponíveis nos nossos dias. Não havia espelhos como os nossos na época deles. O que de fato existia era um metal polido, que dificilmente lhes proporcionaria a limpidez da imagem que encontramos nos artefatos de hoje. A despeito dessa falta de nitidez, ter algo que funcionava como espelho era ainda melhor do que nada. Mas qual é, então, a função exercida por um espelho, pensando no sentido atribuído por Paulo? Segundo Agostinho, a função é de mediação. Pense no retrovisor de um carro. Para que o usamos? Qual é a sua finalidade? Usamos o retrovisor para superar uma limitação. Não somos capazes de enxergar nada que esteja atrás de nós enquanto estivermos olhando para frente. Apenas um espelho posicionado à nossa frente pode ajudar-nos na superação dessa limitação. Em outras palavras, precisamos de um instrumento, de uma mediação. O espelho é esse mediador, isto é, o meio pelo qual enxergamos alguma coisa que está atrás de nós e que jamais conseguiríamos enxergar sem ele. Como diz D. A. Carson, ‘Seja pela qualidade inferior dos espelhos no mundo antigo, seja pelo ângulo de visão, os espelhos somente podem prover uma imagem indireta e incompleta da realidade’.
No entanto, o ato de “ver” no “agora” é contraposto por outra realidade, introduzida pela conjunção adversativa “mas”. Essa realidade que marcadamente remete ao futuro se expressa pela possibilidade de, no porvir, ver a Deus face a face: “veremos face a face”. Mas o que significa “ver face a face”? É tão somente ver sem espelho, é não precisar mais de uma mediação, de um meio ou de um instrumento…
neste sentido bíblico, vemos claramente que o conhecimento que temos de Deus é limitado, pois O vemos por meio de um espelho mediador, nada além disso.
não há conhecimento de Deus sem revelação.
uma coisa é certa, sem revelação não há:
- como conhecer a Deus;
- como escutar um genuíno pagodinho.
brincadeiras à parte, o resumo de tudo isso é o seguinte: só conhecemos a Deus, porque Ele, em sua misericórdia, bondade e graça, se revela a nós. mas a revelação que temos dEle, nem de longe, é quem Ele, de fato, é – pois ainda – e por pouco tempo – O conhecemos apenas por um espelho mediador. mas futuramente, O veremos face a face.
a palavra nos diz:
“As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei.”
Deuteronômio 29:29
Martinho – não o da Vila, mas sim o Lutero – apontava para dois aspectos em Deus: o oculto e o revelado, bem como a passagem preciosa de Deuteronômios. ou seja, há uma porção de conhecimento divino que permanece oculta a nossa visão ótica. com isso, nos resta apenas laborar na luz que Deus tem revelado a nós, pois o oculto pertence a Ele.
ademais, enquanto ainda não O conhecemos plenamente e não O vemos face à face, só nos resta cantar para Deus uma canção com todo o nosso amor:
Eu te quero só pra mim
Como as ondas são do mar
Não dá pra viver assim
Querer sem poder te tocar
te amo Jesus.
Deus abençoe.
até mais.